Balada de Narayama

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em 29 de Janeiro de 2021 – em plena “crise pandémica” , publicado no “diário as beiras”

Dos dados do SICO (sistema de informação dos certificados de óbito) podemos observar que estamos perante uma onda de mortalidade nunca antes vista em Portugal – por ter mais de 15 dias consecutivos e mais de 600 mortos em cada dia. 

Dos 600 mortos, mais de 50 % em cada dia, têm mais de 85 anos e a maioria patologia associada o que é previsível. Têm morrido muitas pessoas de mais de 93 anos o que é uma fortuna e não um problema.

Portugal pelos dados da PORDATA apresentava uma mediana de idades de 27,8 em 1960 e em 2019 de 45,2. Ou seja a população envelheceu imenso o que devia ser motivo de festa e regozijo.

Portugal desde 1960 que consegue prolongar a vida de alguns dos seus cidadãos até serem centenários. Um dia, as pessoas têm de morrer, e essa relação com a finitude parece estar a ser problemática, mais para os filhos do que para os idosos.

Do ponto de vista das tabelas de avaliação (os scores da linguagem moderna) os doentes da covid têm uma previsibilidade de mortalidade muito alta se tiverem mais de 70 anos.

Os scores mais usados para avaliação como Frailty (fragilidade) usam uma majoração até 9 e a maioria dos doentes em urgência está acima de 7, note-se que mesmo alguns de menos de 50 anos têm Frailty elevado por comorbilidades.

Insuficientes Renais com fragilidade clínica são majorados por RIFLE, AKIN ou KDIGO e todos começam avaliando a idade e verificando que esta é um factor de previsibilidade de mortalidade muito importante.

Com os critérios APACHE (acute physiology and chronic health evaluation) SAPS (simplified acute physiological score) MPM (mortality probability model) e SOFA (Sequencial Organ Failure Assessment) fazemos contas de probabilidade de mortalidade, previsibilidade de tempo de internamento, risco de falência orgânica múltipla.

Sempre a medicina utiliza pela experiência a idade como factor de risco e sabe que ter 65 anos muda o score e por essa razão, talvez, coincide com a lei que inicia benefícios de terceira idade aos 65 anos.

Na avaliação de risco de mortalidade para uma cirurgia, temos também critérios como ASA, POSSUM, que mais uma vez trazem a idade à equação.

A Covid 19 é uma doença que provoca em talvez 95% da população sintomas minor, mas em cinco por cento desenvolve doença importante e nestes alguns desenvolvem Síndrome de Dificuldade Respiratória do Adulto que é um exagero da resposta inflamatória contra a agressão. O SARS/ARDS pode surgir em pancreatites e em traumas, em queimados, etc, mas agora, pela primeira vez na história da europa, surgiu como uma demonstração sistémica de resposta a um vírus.

O organismo responde de forma híper exagerada à infecção e por ser assim, consome o organismo e desencadeia alterações fisiológicas e falência dos sistemas.

Não são milhares, mas são muitos e consomem muitos recursos para doentes críticos.   

Covões como exemplo: 29/1/2021: 79 doentes na urgência, 34 maiores de 75 anos de idade.

26 estão há mais de 24 horas na Urgência. 18 doentes têm mais de 12 vindas à urgência nos últimos anos. Hoje há menos 29 doentes na urgência que no dia 25/1, mas 3 já tinham chegado nesse dia.

Havia a 27/1 duas ambulâncias com doze horas de espera porque não conseguiram deixar os doentes por falta de alocação em maca e em espaços de internamento. Na UCI (cuidados intensivos) desde dia 14/1 tiveram alta e estão muito melhor, mais de 10 doentes de idade inferior a 55 anos com SOFA e APACHE que referiam melhor prognóstico.

Os dados não devem servir para discussões e estados de alma. Os dados são as ferramentas da estratégia e servem para fazer melhor, fazer com eficiência (que é algo que usa eficácia e resultados favoráveis). O Hospital dos Covões devia estar na linha da frente da investigação, da ciência que avalia e tenta explicar e tratar a doença. Não publicar nada depois desta experiência seria mais uma tragédia da Medicina Coimbrã. 

SINOPSE do filme balada de narayama

Uma pequena cidade japonesa segue uma tradição: aquele que completa setenta anos deve deixar a vila e ir até o topo de uma montanha para encontrar a morte. Quem se recusa a cumprir a regra traz desgraça para sua família. Orin (Sumiko Sakamoto) tem sessenta e nove anos e no inverno chegará sua vez de subir o monte. Mas sua maior preocupação no momento é encontrar uma esposa para seu filho mais velho Tatsuhei (Ken Ogata).

Diogo Cabrita – médico no CHUC
Aliança Pela Saúde Portugal


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